“Arquitetura da destruição” sob a lógica de “A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica”

Kauan Almeida
6 min readMar 13, 2017

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Não existe imagem simples. Qualquer imagem cotidiana faz parte de um sistema, vago e complicado, pelo qual habito o mundo e graças ao qual o mundo me habita.

- Jean-Luc Godard, Aqui e alhures (1974)

Arquitetura da destruição (Undergångens arkitektur) é um documentário sueco dirigido por Peter Cohen, em 1989. O documentário narra os ideais estéticos nazistas que serviram de base para as violentas práticas de homogeneização da nação.

A apresentação do Nazismo como uma ideologia estética é, sobretudo, o tema do documentário, que revela um lado pouco discutido do regime totalitário nazista. Adolf Hitler, líder do movimento, era um entusiasta das artes, tendo verdadeira obsessão pela estética greco-romana, onde destaca-se o ideal de perfeição talhado sobre os corpos: um ideal militar de beleza.

Hitler, segundo Cohen, era um pintor frustrado sonhando ser arquiteto. Tinha reverência pelas composições e ideologia de Richard Wagner (1813–1883), além de uma adoração pelas artes clássicas, o que tornava o contemporâneo abjeto, segundo sua lógica. Dessa forma, manifestações artísticas que se iniciavam, como, por exemplo, o cubismo e o dadaísmo, eram vistas como degeneradas ou de mau gosto, por apresentarem deformações.

A obsessão do regime hitleriano pelo “embelezamento” e “purificação” da nação levou a cabo ações extremas do governo como a dizimação do povo judeu e de todos aqueles que desviassem do padrão de beleza higienista nazista. Como consequência deste pensamento, houve um holocausto para além de físico, mas, cultural: o extermínio da produção artística e de outros povos.

A arte para Hitler era um instrumento através do qual o Estado mostraria sua supremacia, o que conforma também a postura estética adotada para promoção da “purificação” da nação que ia das artes às ciências médicas. Desse modo, perpetuou-se na medicina nazista não o bem-estar e a qualidade de vida, mas sim meios de legitimar a política eugenistas de extermínio.

É importante ressaltar que a política instituída por Hitler e seu regime nazista não fora a partir de uma tomada arbitrária de poder, mas sim por vias legais, o que é típico de regimes totalitários, tanto o é, que o governo, mesmo passando por crises, conseguiu permanecer, dada a sua popularidade. O que nos leva a questão de como auferir tal confiança do povo mesmo dentro de um regime violento?

Para responder a esta questão é necessário um olhar sobre a tese A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica, de Walter Benjamin. Para Benjamin, a obra de arte sempre foi reprodutível, contudo, novas tecnologias permitiram a reprodução massiva dessas artes, como, por exemplo, a imprensa, a fotografia e o cinema falado. Tais mudanças acarretam perdas de elementos primitivos no trato da arte, como é o caso do espaço-tempo ou aqui e agora ou, como ele descreveu, a aura.

A obra de arte na era da sua reprodutibilidade técnica

A reprodução técnica da arte, faz com que a história dela se perca, logo, a autenticidade que é a sua quintessência que se arrasta pela sua tradição é perdida em meio às cópias realizadas, fazendo com que desapareça a autoridade da obra. Por conseguinte, o aqui e agora que constituía a individualidade, torna-se coletivo, pois o modo de produção passa a ser serial, causando um abalo em toda a tradição.

Para Benjamin, a percepção é um fenômeno mutável que acontece coletivamente, ou seja, ao longo da história da humanidade, o modo de perceber a arte e qualquer outro componente é um evento social, portanto, condicionado. A multiplicação da obra também, por consequência, resulta numa maior difusão dessas imagens, levando as obras o mais próximo possível dos indivíduos, causando, também, o desejo de possuí-las.

Outro ponto citado, é o culto à beleza, parte da unicidade da obra. A reprodução técnica emancipa o objeto da sua existência enquanto tradição, então há a perda do ritual que a acompanhava, pois, a arte passa a ser pensada já dentro dos moldes da reprodução, e não mais no espaço-tempo. A exemplo temos a fotografia, uma vez que é feita para ser multiplicada, a autenticidade dela é desapossada, mas tal evento ocasiona mudanças na função social da arte, uma vez que em vez de fundar-se num ritual, ela funda-se em outra práxis, a política.

Na nossa sociedade a técnica é emancipada e, por isso, ela refuncionaliza a arte ocasionando assim a necessidade de uma nova forma de apreender e perceber seu papel. De acordo com Benjamin, a percepção torna-se a segunda natureza humana; e, por se tratar da arte no sentido coletivo, há a ideia subjacente de condicionamento. Ele exemplifica a tese com o cinema, já que este exercita o sujeito nesta nova percepção que é exigida pelo aparelho técnico.

O cinema é, neste sentido, um instrumento que nasce exclusivamente para a massa e compreende assim um meio imediato e obrigatório de difusão. Tal medida suprime o valor de culto e ocasiona um valor expositivo. A constante exposição massiva redefine e inerva a função política da relação homem-arte. Para Benjamin, o cinema “ainda não compreendeu seu verdadeiro sentido (…) seu sentido está na sua faculdade de exprimir, por meios naturais e com uma incomparável força de persuasão, a dimensão do fantástico”.

A destruição como estética de reconstrução

Hitler, durante o seu regime, utilizou dos instrumentos difusores para disseminar suas concepções de beleza e arte. Neste sentido, a arte reproduzível fez parte de uma política de condicionamento de uma estética totalitária. A cultura de massa que funciona em escala industrial teve seu controle gerido pelo Estado. Dessa forma, os nazistas remodelaram a sociedade alemã a partir de suas percepções.

Na educação, havia orientação para ensinar com base nos princípios eugenistas, onde havia a exposição de fotografias ditas degeneradas como “não puras”, por exemplo. Todo este movimento submetia os indivíduos a constante doutrinação. Além disso, ao notar o papel construtor de subjetividade da arte, Hitler criou o Ministério da Cultura e Propaganda para administrar todas as produções alemãs e, também, censurar qualquer arte que fosse contrária àquela do seu partido.

O regime nazista propagava ideias nacionalistas como uma forma de recuperar o prestígio alemão, bastante comprometido durante a I Guerra. Para eles, somente com a eliminação dos judeus, no campo físico; e dos comunistas, no ideológico, poderiam alçar a Alemanha ao seu local de prestígio frente ao mundo, já que tanto a raça quanto a ideologia eram lidas como “impuras”. Para tanto, criou-se campos de concentração que posteriormente transformaram-se em campos de extermínio, onde linhas de montagem foram feitas para execução, tudo em nome da beleza da purificação da raça ariana.

A arte, no Nazismo, era um manifesto de poder, um instrumento que penetrava nas camadas mais íntimas da sociedade para modificar sua estrutura: rádio, cinema, música, teatro, pintura, fotografia, arquitetura etc. Toda a arte projetada para um ideal egoísta: massificar e docilizar as massas.

O documentário dá ênfase em como a arte e sua produtibilidade técnica potencializaram o regime nazista, dando a ele todo o poder para os seus desmandos sem, para tanto, perder o apoio dos alemães. Hitler utilizou de proporções faraônicas em suas construções, padronizou as representações, desindividualizou a população, tornando-a coletiva e alterou a percepção da massa frente às mudanças.

A construção de uma nova civilização passou pela barbárie da destruição. Segundo Benjamin, na história das civilizações não há cultura sem barbárie, ou seja, o ser humano capaz de produzir cultura é também um potencial destruidor da sua própria humanidade. Hitler, ao idealizar a Alemanha, caiu no problema da homogeneização enquanto perfeição e optou pelo subjugamento e execução do diferente. Então, a esperada elevação da arte pura, animalizou homens e mulheres, realizando assim uma das maiores barbáries da história da humanidade.

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Kauan Almeida
Kauan Almeida

Written by Kauan Almeida

Doutorando em Educação (UFRGS) através da Linha de Pesquisa em Filosofias da Diferença e Educação